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Autor: Prof. Dr. Eduardo Costa (UFPA)
Material didático complementar da disciplina História Econômica Geral (Facecon/UFPA).


1 Introdução

Este breve texto foi preparado exclusivamente como material de apoio à disciplina História Econômica Geral da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Pará (Facecon/UFPA). Neste sentido, trata-se de um material diretivo que busca provocar reflexão e orientar o debate ao longo da disciplina.

Frequentemente quando perguntamos a um não economista, ou até mesmo a um calouro do Curso de Economia, sobre o que faz o economista, a resposta mais comum gira em torno do “especialista em bolsa de valores”, do “consultor que ensina a multiplicar dinheiro” (educador financeiro) ou do profissional que aparece no telejornal para explicar por que a inflação aumentou recentemente.

Essa visão, embora popular, é estreita. O economista é, antes de tudo, um cientista social que investiga como as sociedades criam, distribuem e transformam riqueza ao longo do tempo. Para cumprir essa missão, ele precisa ir além das análises conjunturais e reconhecer os caminhos históricos que construíram — ou bloquearam — o desenvolvimento. É aqui que a História Econômica entra em cena, oferecendo uma lente analítica que procura conectar o passado, o presente e o futuro do (sub)desenvolvimento.

 

2 A perspectiva histórica como recurso analítico


2.1 A dependência de trajetória: o efeito das escolhas


Fenômenos econômicos não surgem do nada: políticas coloniais, guerras, rupturas políticas, industrializações, catástrofes naturais, pandemias ou revoluções tecnológicas deixam marcas que perduram por gerações. Esse “efeito trilha” — path-dependence (dependência de trajetória) — foi popularizado por Douglass North (1994; 2018) na Nova Economia Institucional (NEI). Estudá-lo permite ao economista entender por que certas medidas de política econômica dão certo e outras não. Ou ainda, encontrar respostas para perguntas como:

  1. Por que a Revolução Industrial aconteceu na Inglaterra e não na China, Espanha, Holanda ou França?
  2. O que levou países como Estados Unidos, Alemanha e Japão a vivenciarem um intenso processo de industrialização e desenvolvimento no final do Século XIX?
  3. Qual a explicação para o fenômeno chamado na literatura especializada de a “Grande Divergência”?
  4. O que explica a ruptura de trajetória da Coreia do Sul a partir da década de 1960 que levou o país a superar a sua condição de subdesenvolvimento?
  5. O que explica o nível de crescimento acima da média dos Tigres Asiáticos a partir da década de 1970?
  6. Por que a China entrou em declínio econômico no século XIV e o que explica a extraordinária dinâmica econômica chinesa no primeiro quartel do Século XXI?
  7. O que fez com que a Argentina — que na virada do Século XX era considerada um país promissor, em franco desenvolvimento, com um elevado padrão de vida para a sua época — entrasse após a década de 1950 em um trajetória de decadência econômica e social?
  8. O que fez com que a Venezuela — que entre os anos 1950 e 1980 era um dos países mais prósperos da América Latina, com um dos maiores PIB per capita do mundo (apelidada de “Venezuela Saudita”) — entrasse a partir do final da década de 1990 em uma trajetória de declínio econômico, social e institucional?
  9. Por que a África e a América Latina possuem países com elevada desigualdade social e um contingente considerável de pessoas sobrevivendo abaixo da linha de pobreza?

É na busca de respostas para essas perguntas que a História Econômica se move. Ao estudar séculos de transformações — da Revolução Agrícola à economia digital — o economista começa a perceber padrões e estabelecer relações entre decisões tomadas no passado e dependências de trajetórias que ainda orientam o presente.

 

2.2 Instituições inclusivas versus extrativas


Na sequência do trabalho de North (2018), Daron Acemoglu e James Robinson (2012; 2020) mostram que países prosperam quando constroem instituições inclusivas — regras que distribuem poder político, permitem o controle do Estado pela sociedade, produzem uma ambiência institucional fundada no Estado Democrático de Direito e asseguram direitos de propriedade amplos e liberdade. Já estruturas extrativas, que concentram poder e renda, inibem inovação e crescimento, além de favorecer determinadas elites políticas e econômicas em detrimento da sociedade de forma mais ampla. Observar a história da Inglaterra pós-Gloriosa Revolução, dos países que vivenciaram o processo de industrialização retardatária e dos países latino-americanos, evidencia como arranjos institucionais moldam o desempenho econômico por um longo período.

 

2.3 Laboratório natural de teorias


A História funciona como um gigantesco “experimento natural”. Teorias sobre livre-comércio, proteção industrial, política monetária ou papel do Estado podem ser testadas comparando-se contextos diversos: as industrializações tardias da Alemanha e do Japão no final do século XIX, a Revolução Russa, o New Deal norte-americano, o Plano Real brasileiro, a Crise do Subprime de 2008 ou as reformas de mercado na China pós-1978. Cada episódio histórico informa limites e alcances de modelos abstratos.

Ademais, quando o economista compara teorias econômicas a eventos reais — crises financeiras, revoluções tecnológicas, experiências de superação do subdesenvolvimento, ou o declínio econômico de uma sociedade — ele aprende a questionar modelos prontos, desenvolve um senso crítico entre a teoria e a realidade, e passa a adaptar conceitos ao contexto, evitando anacronismo e simulacros.

 

3 A tríade método–estatística–teoria (Schumpeter revisitado)


O economista austríaco Joseph Alois Schumpeter — uma das mais brilhantes mentes da história do pensamento econômico — inicia a clássica obra História da Análise Econômica (1954) fazendo uma reflexão sobre a Ciência Econômica (SCHUMPETER, 1964). Nela, advoga que o bom economista domina três artes:

  1. História: descreve fatos e mudanças institucionais ao longo do tempo;
  2. Estatística: organiza esses fatos em séries, permitindo quantificação;
  3. Teoria: fornece o arcabouço lógico para interpretar os dados.

 

Separados, esses campos do conhecimento são insuficientes. Séries macroeconômicas isoladas de seu contexto histórico podem sugerir: (i) correlações fantasiosas; (ii) teorias sem evidência empírica viram dogma; (iii) listas de fatos sem interpretação viram “almanaque”. A disciplina História Econômica procura integrar as três vertentes, um diferencial que forma profissionais com uma visão sistêmica e holística da sociedade.

 

4 Competências desenvolvidas na disciplina

 

Competência

Resultado prático

Leitura crítica de dados de longo prazo

Ajustar séries por metodologias históricas, evitar interpretações rasas.

Pensamento comparado

Contrastar experiências de diversos países e períodos.

Análise institucional

Avaliar como culturas, normas e incentivos afetam desempenho econômico.

Visão interdisciplinar

Dialogar com História, Ciência Política, Sociologia, Direito e Antropologia.

Consciência ética

Compreender impactos sociais de políticas econômicas, do colonialismo à globalização.

 

  • Estudos de caso que ilustram a utilidade da disciplina

 

O ciclo da borracha na Amazônia (1870-1912)

 

Sem entender a geopolítica da época — monopólio britânico sobre sementes e subsequente plantio na Ásia — o analista pode concluir falsamente que o fracasso amazônida se deveu apenas à “falta de empreendedorismo”. A História mostra a combinação de choques de oferta, tecnologia, custo de transporte e estrutura fundiária.

 

A revolução industrial britânica


Texto de Robert Allen (2017) revela que a relação entre salários altos, carvão barato e incentivos à mecanização explica a adoção precoce de máquinas a vapor. Esse insight questiona teorias de crescimento universalistas e sublinha a importância de preços relativos.

 

O Plano Real (1994)


Comparar a experiência da estabilização brasileira com planos fracassados dos anos 1980 ensina como arranjos políticos (apoio congressual) e institucionais (autonomia do Banco Central, reforma fiscal, política cambial) condicionam o êxito de reformas monetárias.

 

6 Brasil como laboratório histórico vivo

O Brasil oferece um laboratório histórico vivo: colonização baseada no extrativismo e escravidão, industrialização tardia, rupturas políticas, hiperinflação, Plano Real, instabilidade política e os “ismos” que nos condenam ao subdesenvolvimento (patrimonialismo, personalismo, clientelismo, individualismo, populismo etc.). Sem a lente histórica, o economista corre o risco de importar soluções desenhadas para realidades que nunca enfrentaram nossa herança institucional, econômica e social. A História Econômica ajuda a evitar anacronismos e formular políticas compatíveis com nosso percurso. Mas mais do que isso, ajuda a pensar em como superar o nosso subdesenvolvimento.


Riscos de ignorar a dimensão histórica

 

  1. Políticas copiadas de manuais: Sem o ajuste histórico-institucional, transplantes de políticas podem falhar gerando simulacros.
  2. Modelos herméticos e de curto prazo: Ignoram eventos de raros (baixa probabilidade), porém de alto impacto. Em processos não ergódicos (nos quais o sistema pode saltar para trajetórias bem diferentes), médias históricas recentes (curto prazo) não descrevem bem o futuro. A dimensão histórica é a única forma de perceber transições de longo prazo.
  3. Miopia conjuntural: Focar apenas em elementos conjunturais obscurece desafios estruturais que são fundamentais para o desenvolvimento ou a superação do subdesenvolvimento.

 

Conclusão: uma importante chave analítica

 

A História Econômica equipa o economista com conteúdo e memória analítica: ele aprende a reconhecer padrões, a distinguir inovação real de reprise histórica e a calibrar expectativas sobre reformas. Ao articular teoria, evidência estatística e narrativa temporal, o profissional torna-se capaz de elaborar diagnósticos mais robustos e prescrições mais realistas — algo essencial para quem deseja influenciar políticas públicas, orientar empresas ou pesquisar a dinâmica do desenvolvimento.

Em suma, estudar História Econômica é investir em profundidade. É passar do “qual ação comprar hoje” para a pergunta mais fundamental: quais instituições e trajetórias permitem que sociedades gerem prosperidade sustentada e inclusiva? Essa passagem do imediato para o estrutural é o primeiro passo para formar economistas socialmente responsáveis.

 

 

Referências essenciais

 

ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. O Equilíbrio do Poder: Estados, sociedades e o futuro da liberdade. Lisboa: Temas e Debates, 2020.

 

ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Por que as nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Elsevier Brasil, 2012.

 

ALLEN, Robert C. História Econômica Global: Uma Breve Introdução. Porto Alegre: L&PM, 2017.

 

CHANG, Há-Joon. Chutando a Escada: A Estratégia de Desenvolvimento em Perspectiva Histórica. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

 

NORTH, Douglass. Instituições, Mudança Institucional e Desempenho Econômico. São Paulo: Três Estrelas, 2018.

 

NORTH, Douglass. El Desempeño Económico a lo Largo del Tiempo. El Trimestre Económico, vol. LXI (4), edição 244, 567-583, 1994.

 

SAES, Flávio Azevedo Marque de; SAES, Alexandre Macchione. História Econômica Geral. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

SCHUMPETER, Joseph Alois. História da Análise Econômica. Vol. 1. Rio de Janeiro: Centro de Publicações Técnicas da Aliança, 1964.

 

Link para baixar o conteúdo em PDF: https://www.professoreduardocosta.com.br/wp-content/uploads/2025/05/Historia-Economica-Por-que-ela-e-indispensavel-na-formacao-do-economista-Prof.-Dr.-Eduardo-Costa-1.pdf
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Autor: Prof. Eduardo Costa (UFPA)

Os noticiários do mundo inteiro repercutem o brutal assassinato do casal de funcionários da Embaixada de Israel, Sarah Lynn Milgrim e Yaron Lischinsky, diante do Capital Jewish Museum, em Washington; o autor dos disparos, Elias Rodriguez, ativista marxista de esquerda e pró-Palestina, gritou “Free Palestine” ao ser detido pela polícia.

Embora o atentado tenha ocorrido a milhares de quilômetros, seus ecos já ressoam no Brasil. Relatório da Confederação Israelita do Brasil (CONIB) registra um salto alarmante de denúncias de antissemitismo entre 2023 e 2024, sendo parte importante delas dentro de instituições de ensino superior. Paralelamente, a Anti-Defamation League, no mais recente Campus Antisemitism Report Card, atribuiu nota “C-” ao ambiente universitário brasileiro, apontando falta de protocolos de segurança e de formação docente para lidar com discursos de ódio. Não faltam exemplos e relatos de hostilidades em sintonia com protestos pró-Palestina que se alastraram a partir de 2024.


Em Belém, a situação também preocupa. A Câmara Municipal transformou-se, dias atrás, em palanque de um tumultuado ato pró-Palestina comandado por vereadoras, enquanto problemas locais continuam sem resposta. Curiosamente, não se veem manifestações equivalentes contra a invasão russa na Ucrânia — talvez porque a pauta não interesse às mesmas siglas partidárias. A indignação é seletiva, ou “oportunista”. O bombardeio russo a um hospital infantil na Ucrânia não gerou uma única nota de repúdio. Vidas importam, ou somente “algumas” vidas importam?


Assusta-me ver essa onda transbordar para os campi. Partidos de esquerda, por meio do aparelhamento de movimentos estudantis, tentam impor essa pauta, instrumentalizando o sofrimento em Gaza para interesses que pouco têm de humanitários. Precisam de uma causa para mobilizar “inocentes úteis” e revigorar candidaturas partidárias, agora que suas bandeiras tradicionais — defesa da educação e dos vulneráveis — mostram-se esvaziadas.


Enquanto isso, as universidades enfrentam crises financeiras graves. Paradoxalmente, grupos políticos que se calam diante desses problemas querem transformar as universidades em arenas geopolíticas, desviando o debate do cotidiano estudantil. O avanço desse movimento pró-Palestina produz efeitos perigosos: professores e alunos judeus — minoria historicamente perseguida — passam a conviver com um clima de hostilidade que naturaliza o antissemitismo sob o pretexto de “luta política”. Vamos assistir, omissos, a mais uma onda antissemita?


A universidade não pode permitir que isso vire rotina e se naturalize. E nem podemos aceitar com naturalidade e passividade que intimidações, agressões e cancelamentos sejam feitos contra quem ousa pensar diferente daqueles que se acham os “donos da fala”. Debater a guerra no Oriente Médio é legítimo e necessário, mas jamais à custa da dignidade de quem pensa diferente. Formar gerações de “inocentes úteis” a serviço de siglas partidárias é trair a essência do ensino superior.


Oro para que o que ocorreu em Washington não aconteça aqui. Não queremos ver judeus agredidos, hostilizados ou, pior, mortos para entender que esse radicalismo precisa ser contido. E nós que fazemos parte do ambiente universitário não podemos ser omissos. A Constituição, em seu art. 5.º, XLII, torna o racismo crime inafiançável e imprescritível, e a Lei 7.716/1989 pune qualquer ato de preconceito por origem étnica ou religiosa. Reitorias, Institutos e Faculdades, portanto, não podem alegar neutralidade ou tratar o assunto com permissividade: devem abrir processos, amparar as vítimas e enviar provas às autoridades competentes.


Defender a paz no Oriente Médio não é incompatível com repudiar o antissemitismo. A universidade — espaço de livre investigação — não pode converter-se em palco de intimidação de minorias, quaisquer que sejam. Longe de “importar” conflitos externos, cabe-lhe cultivar o pluralismo, proteger seus membros vulneráveis e formar cidadãos que rejeitem toda forma de ódio. A morte de Milgrim e Lischinsky lembra-nos que a indiferença é cúmplice da violência; agir agora é impedir que amanhã nossos corredores, salas de aula e campi se tornem cenário de crimes que juramos nunca mais tolerar.

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